segunda-feira, 25 de março de 2013

SIGILO ABSOLUTO

UM JORNALISMO  MUITO SIGILOSO E POUCO  INVESTIGATIVO  
Vitor Combothanassis era repórter especial do Globo, nos anos setenta, o mestre do chamado jornalismo investigativo. Fui designado para acompanha-lo sem saber para onde, nem como, nem por que. havia apenas uma recomendação:"matéria sigilosa". Durante o sinuoso trajeto não disse uma palavra, ou melhor disse ao Velho Dodô, nosso motorista "Vamos por aqui para despistar". O local era a Rua Alice em Laranjeiras, epicentro do "Caso Carlinhos", o sequestro e desaparecimento do menino Carlos Ramirez, até hoje pouco e mal esclarecido. Ao chegarmos ao local Vitor disse em voz baixa, quase sussurrando: "Amiguinho você vai ter que fingir que não me conhece, em hipótese alguma me dirija a palavra, mas não precisa se preocupar", o que seria extremamente difícil, a rua estava interditada e cercada por dezenas de viaturas policiais, e a tiragem armada até os dentes já havia feito o reconhecimento da equipe. O motorista colocou o carro de reportagem (sem letreiro de identificação) afastado do local onde seria feito o trabalho de reconstituição do provável sequestro do menino Carlinhos e aproveitou para tirar uma soneca, hábito de noventa e nove por cento dos pilotos da madrugada. O circo armado ia começar, a poliçada andava de um lado para outro com as armas engatilhadas, sob as ordens de um velho policial, o delegado José Gomes Sobrinho dublê de juiz de futebol, que ordenou a um de seus "fiéis" que me mantivesse afastado da cena. Resolvi esperar, embora a paciência não seja o meu forte. Na primeira tentativa de registrar as cenas, fui ameaçado por um policial com a arma apontada, e fui obrigado a recuar e guardar a câmera. Comecei a ficar preocupado, a cobrança no jornal era muito grande, não se admitia o "nada feito", principalmente quando o repórter iria fazer matéria exclusiva (e sigilosa). Ingenuamente eu confiava no repórter especial, acreditando que ele facilitaria meu registro em imagens. Ledo engano. O tempo não para, já dizia o poeta, repetindo Heráclito de Éfeso, o pai da dialética. Comecei a ficar á beira do pânico, e ato contínuo resolvi fotografar de qualquer forma apesar da situação criada, com, sem ou apesar do Vitor Combothanassis. Pedi ao Velho Dodô que posicionasse a viatura de frente para o local da reconstituição e acendesse os faróis a toda intensidade, comecei a fotografar desesperadamente. estava portando o melhor filme de reportagem feito até os dias de hoje, o velho, bom e infalível Tri-X da Kodak fiel ao lema :"Quem sabe usar não perde a foto". Eu estava com o olho no visor da câmera, e não percebi a reação da poliçada que foi imediata. Partiram para cima de mim furiosos com as armas engatilhadas, capitaneados pelo Gomes Sobrinho que além de me xingar aos berros, colocou a metralhadora em meu peito, enquanto um dos esbirros me puxava pelo paletó, um belo blazer Pierre Cardin, recém chegado de Paris, para eu poder circular pelas noites cariocas à cata de celebridades, para abastecer as colunas sociais. Fiquei com o blazer em frangalhos mas não deixei que destruíssem a câmera, nem os registros que poderiam ficar para a posteridade. Apelei para o intrépido repórter, mas ele fiel ao combinado, fingiu que não me conhecia. Fui para o carro esperar o desfecho, perplexo com a "solidariedade" do companheiro. Algum tempo depois ele aparece, dizendo que poderíamos retornar, "que já tinha uma exclusiva para escrever", pediu mil desculpas, afirmando que se não fosse assim, não poderia publicar uma linha sequer. Fui para a redação muito irritado, botei o filme para revelar, fui direto para a mesa do chefe de reportagem, o querido e leal Marco Antonio, mostrei o paletó em frangalhos, exigi que o jornal pagasse os prejuízos, e fiz um relato minucioso das aventuras e desventuras da noitada, da "lealdade" e do trabalho em equipe. Marco Antonio ficou petrificado, deu o dinheiro da "caixinha de emergência" para ressarcir os prejuízos materiais,e prometeu fazer um relato fiel ao chefe da redação. Conforme o combinado, o relatório foi feito, mas pouca coisa ou nada mudou, As reportagens investigativas continuaram sob sigilo absoluto, pelo menos em alguns casos. Quanto ao blazer, comprei outro, pena que seria apenas uma reles imitação, uma simples franquia Made in São Paulo.